terça-feira, 31 de agosto de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - FIM

Diante de mim, uma porta...
Meus pais sentados no sofá da sala, souberam que eu estava ali de volta, não se deram ao trabalho de ir me procurar, sabiam que eu viria.
-Veio encarar de vez o passado? - olhar cansado do meu pai disse mais do que a própria voz.
-Vim exterminar qualquer ligação minha com o tempo em si.
-Como assim meu filho, você sabe que não teve culpa de nada, - minha mãe - se for pelas outras coisas...
-Por tudo, sempre fui deixado de lado, cresci assistindo as outras crianças se divertindo, passei minha adolescência carregando uma culpa que nem tão minha era. Senti por toda a vida a incoerência das pessoas, tão solidárias a mim, mas a verdade é que não estavam nem nunca estão nem um pouco ai pra nada. Dos senhores eu não recebi apoio pra nada, aceitar tudo sem retrucar foi a grande educação que me deram, dos meus amigos só recebi um falso consolo, mas na realidade, fui e sempre estive só. Só por dizer o que pensava, só por ser o que sou, só por não me adaptar ao resto...
-E o que você...
-Não terminei mãe... pensar da forma que eu penso me fez um estranho, um nada, tive que me recolher, odiar tudo, e todos, viver numa tristeza contida e calada, eu tenho culpa, mas vocês também tem, meus amigos também tem, todo mundo que nunca deu a mínima tem culpa. Eu pedi perdão, não foi aceito, melhorar é inútil. Somos egoístas até o fim, e eu não fugirei a regra.
Atrás de mim, uma porta...

***

Pouco mais de uma semana depois uma carta foi encontrada no meu farol.

"À vocês que um dia passaram pela minha vida,

Um bom dia, um boa tarde, um boa noite, já fazem diferença, somos tão egoístas, às vezes perguntamos como alguém está, mas na realidade estamos fazendo isso com um único objetivo, que tenhamos a pergunta devolvida, e possamos assim nos discorrer sobre nossos problemas, não somos capazes de nos importar verdadeiramente com outra pessoa, nos preocupamos mais em fazer algo pensando que algum dia nós eventualmente vamos precisar da preocupação alheia.
Eu tive uma infância diferente, eu pouco saí, eu pouco tive companhia, eu desenvolvi meu mundo, nele eu era herói, fora dele motivo de risadas para as outras crianças, minha adolescência era a continuação da reclusão, modificada apenas pelo ambiente cada vez mais "acalentador" em que eu me encontrava, se você é diferente, o resto te esmaga, se você se fecha, te excluem, e nunca querem saber o que você sente, não se importam com você. Encontrei alguém perturbado, orfão, viu seu futuro arrancado ao perder o pai, se isolou, foi isolado, se tornou produto de um meio, alguns são capazes de lutar, outros se entregam e se tornam aquilo que o resto te provoca a ser.
Uns matam, uns são mortos, outros tantos são só tantos... uns choram, outros consolam, a verdade? Ninguém se importa.
Eu cansei, guardei em mim uma tristeza muito grande, minha vida foi perdida tal qual a das meninas, pois eu percebi que minha presença ou ausência só afetava a mim, criei escudos pra ser invulnerável, mas com isso veio o isolamento, a ausência de fé e confiança.
Eu só queria fazer alguma diferença, causar alguma lembrança boa, mas percebo que não consegui isso, pra o homem na pousada eu fui mais um cliente... conheci uma velha, pra ela eu fui mais um estranho que passou por sua casa... pra um garoto, um estranho, e no final de tudo... pra mim... um nada.
Uma atitude sincera faz toda a diferença, as que recebi nunca foram. 

Quero ter a ilusão de felicidade pelo menos uma vez."

A luz do farol nunca mais foi acesa.

domingo, 29 de agosto de 2010

Sorriso

Sem o teu, não sou
Sem o teu, não sei quem sou
Sem o teu, o meu saber acabou

Sem o teu, meu dia escurece
Sem o teu, os brilhos desaparecem
Sem o teu, o novo envelhece

Sem o teu, penso que o dia não passou
Sem o teu, penso que nada aconteceu
Sem o teu, esqueço do meu


*logo virá a parte VII do Conto "Só, sou solidão"

domingo, 8 de agosto de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - VI

Alguns passos, me encontro em seu quarto, já esperava encontrar fotos das meninas, por que estão ai? Essa foi uma das sucessões de quartos que marcaram a vida dele, inveja pela felicidade das crianças e dos seus pais que sempre contrastou com sua solidão e tristeza. Quis punir as crianças por algo que elas nunca tiveram culpa, eu soube desde sempre que ele poderia fazer mal a elas, mas quem imagina presenciar assassinatos, e pior, ajudar achando que seria só uma brincadeira, chamar as meninas, ter saído e deixado os três sozinhos foi um erro imenso.
Lembro como se fosse hoje, as pessoas já não gostavam de mim, nunca deixei de dizer o que pensava delas, chamei metade das pessoas aqui desse lugar de ignorantes, acomodadas, mentes pequenas, e mais alguns impropérios, e quando aconteceu aquilo, todos riam de mim entre os dentes, mostrando a satisfação em me ver mais decadente do que sempre tinha sido, mas ainda pior, eram os olhares dos pais das meninas, a culpa que recaia em mim diante daquelas "janelas da alma" como já ouvi dizerem, eu não via almas, eu via o inferno, se existe inferno acho que a perda das filhas deles era o inferno para eles.
Meus amigos me apoiaram, diziam que eu não tinha culpa, mas é visível o quanto as pessoas mudam em relação a você, detalhes, e eu percebo detalhes, passei a duvidar de todos, quando você percebe que sua presença não é tão bem-vinda quanto antes, tudo isso foi uma sucessão muito grande de quartos pra mim, cada palavra de decepção, cada palavra de alento, puro teatro, ninguém se envolve tanto com os problemas dos outros, passei a ignorar tudo, nunca precisei de ninguém, as pessoas só servem pra você mostrar que é melhor do que elas.
As pessoas se mostram egoístas o tempo todo, se corrompem, e acham que todos são corrompidos, eu não era, mas me deixei ser, passei a sentir raiva e desgosto, pois ninguém se preocupa com absolutamente nada, enquanto não afetar diretamente, se afeta só a você, mesmo família e aqueles que você acha que são seus amigos não vão estar te dando ombro ou ouvindo você sussurrar para o seu travesseiro a noite, sofrendo calado, acham que estão te dando suporte, mas não fazem a mínima ideia do que você pensa e sente, a sua situação é a mesma em que eu estou, só.
Mas como eu quero tentar melhorar, preciso parar de subir e descer essa escada em espiral...
Volto pra rua, não vim buscar redenção, só melhorar um pouco... os pais tinham ficado pra trás, fui na direção deles, eu não tinha muito o que dizer, os olhei fixamente, procurei palavras, saiu apenas:
-Perdão.
Apenas me olharam, não disseram nada, mas era transparente o nojo, a raiva, a pena, que sentiam, eu tentei, as estrelas continuarão a conter o brilho dos olhos das meninas e isso não vai deixar de ser um tormento pra mim, mais do que nunca tenho certeza do que devo fazer, mas fazer na ordem que pensei na pousada. Seguir para outra casa agora, flores e mar de rosas nunca fizeram parte da minha vida, não seria agora que fariam.
Mente cansada, medo ignorado.