quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

[CONTOS] Abrir e fechar

Bato na porta, sem jeito, com medo. Toco a campainha, tremo. Se abre.
- Oi
- Oi, que faz aqui?
- Er... só vim pegar as coisas que esqueci.
- Tão ali, pode pegar.
- Licença
- Pra que tudo isso? Você não é nenhum estranho aqui, até tem mais intimidade com a casa do que eu.
- É... sei lá, acho que alguma coisa mudou...
Entro, tremo, hiperventilo, arritmia... tudo aquilo já foi meu também um dia, ou melhor, considerava tão meu, o quadro pintado no meio da rua por um hippie, o filtro dos sonhos que fizemos, mais um emaranhado de linhas do que um filtro, a parede do fundo pintada com as nossas mãos, a realidade toda pintada com as nossas mãos... meu coração dói, não pareço fazer falta, ando cada passo e demoro um quilometro por ele, minhas coisas ali, empacotadas, empilhadas, cuidadosamente separadas, tão assim premeditado... tudo tão assim que acho que nem pensa mais em mim...
- Brigado por embalar tudo, guardar assim, organizar tudo.
- Ah, por nada, não queria que você tivesse trabalho de arrumar isso.
- Nem demorar pra isso né...
- Pois é, sei de suas ocupações.
- Então tá, bom vou indo viu, um beijo.
- Beijo, se cuida.
A arritmia parecia irradiar em dor, parada cardíaca... o último beijo... e ainda no rosto... só no rosto... abri a porta.
- Tchau.
- Ei, você esqueceu aquele papel
- Onde?
- Ali.
Deixo as coisas no chão, ando até o papel e não tinha nada escrito. A porta se fecha.
- Sabe? Você podia ficar...
- Me ajuda a reorganizar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

E se?

E se eu usar de pinturas no rosto? Usar de nariz de palhaço? Me colorir de branco, numa metade do rosto um sorriso vermelho tatuado, na outra metade duas lágrimas? E se eu sorrir e chorar ao mesmo tempo? E se eu não souber o que dizer, ou desatar a falar palavras e palavras, perdidas, às vezes sem sentido, noutras carregadas de milhares de interpretações? E se eu não sorrir das piadas? E se minha sorte não vir de um realejo? E se eu não puder deitar na tua escama? E se eu não pudesse ler poesias? E se ao invés de respostas eu só encontrar mais perguntas? E se tudo aquilo que eu ouvi não significar nada? E se tudo aquilo que eu li forem só distrações da visão? E se eu não puder disfarçar o sentimento? E se eu borrar a maquiagem com a tua lágrima, teu suor, tua saliva? Então...
"O que resta é sem sentido, fico perdido sem direção, fico danado e nado o que for preciso em busca de um porto pro meu coração" (Fernando Anitelli - Abaçaiado)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Quando é que você vai perceber?

Quando é que você vai perceber que as palavras são a base das minhas atitudes, quando é que você vai entender que meu vocabulário foi desenvolvido apenas pra te convencer do que eu sinto e do que eu penso, que minha sintaxe é só uma inversão de diacineses, diplótenos, haletos, alquilas... nada com nada, apenas tentativas pra te influenciar, te envolver.
Minhas palavras são assim, se em prosa, ou se em verso, foram escritas numa linha reta, por coincidência, veja lá que coincidência, você estava na mesma linha que elas percorreram... Não me sobram mais páginas nos cadernos, não me sobram mais tinta nas canetas, mas posso recorrer a dicionários, a outras fontes, usar de mímica, de imagens, e corroborar tudo com atitudes.
Quando é que você vai perceber?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Rotina e ausências...

Um dia, mais outro, e outro, uma semana, mais outra, e outra, insólita rotina, insípida imutabilidade, ausência de incógnitas, presença de mesmice, olho pros dias, olho pra frente, me vejo voltando, me sinto caindo, me perco distraindo.
Uma noite, mais outra, um mês, mais outro, e outro, marcações do tempo na alternância de cima pra baixo de uma ampulheta, mera mecânica, pura e simples distopia, ouvidos atentos, barulhos ausentes, pulsação perdida, o entorno e os arredores são rostos que se perderam, sorrisos que sumiram, antigas cumplicidades transformadas em meras formalidades, causa e consequência são apenas discussões para impressionar, um dia, mais outro, e outro, outro, outro, outro...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Parabéns

Contemplo depois de rascunhar três textos aquela falta de inspiração que sempre me acomete quando o sujeito das orações se tornam o autor das mesmas...
Percebi então que eu não preciso de nada além de me parabenizar. Daí eu pergunto, me parabenizar do quê? E como alguém pode se "auto-parabenizar" por algo, que presunção grande é essa que permite tal ato. Pode deixar que eu mesmo respondo... eu me parabenizo por ter nascido e mais ainda, por estar vivo, e como percebi que eu merecia esses parabéns? Percebi ao sentir minha respiração profunda, e o poder de pensar, agir, fazer, causar me vieram a mente. Poxa eu realmente mereço os parabéns, por me permitir ser, viver, e experimentar. 
Posso não ser a melhor das pessoas, posso deixar escapar muitas oportunidades, engasgar com ideias, falhar com as palavras, errar com as ações, mas quer saber? Vivi cada situação da melhor maneira possível: a maneira que eu vivi no momento, e isso no final de tudo é o que basta pra mim, e se basta pra mim então: parabéns pra mim!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Talvez

Talvez eu tenha perdido o rumo, talvez virado a página, talvez relido a página virada, talvez deixado de fazer o que eu queria, talvez perdido a oportunidade de reconquistar algo que foi de certa forma perdido, talvez eu tenha descumprido uma ou duas promessas, talvez esquecido dos sonhos, talvez esquecido de quem eu gosto, talvez feito as pessoas que gostavam desgostar, talvez feito outras pessoas gostarem de mim, talvez eu me arrependa de muita coisa, talvez eu não me arrependa de nada, talvez eu esqueça de dizer o que penso, talvez eu escute aquilo que não quero, talvez eu mascare pensamentos, talvez eu finja desinteresse, talvez eu ame, talvez eu odeie, talvez eu me afaste, talvez eu seja afastado, talvez...
Uma certeza eu tenho, terei vivido.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ontem, hoje, amanhã...

Ontem eu queria todo sabor
Ontem eu queria o fim pra qualquer dor
Ontem eu queria menos pavor
Ontem eu queria mais um amor

Hoje quero ler uma poesia
Hoje quero morrer de nostalgia
Hoje quero sonhar com pura alegria
Hoje quero de você uma melodia

Amanhã quererei mais desejo
Amanhã quererei o som de um realejo
Amanhã quererei um arco-íris num azulejo
Amanhã quererei o seu beijo


terça-feira, 31 de agosto de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - FIM

Diante de mim, uma porta...
Meus pais sentados no sofá da sala, souberam que eu estava ali de volta, não se deram ao trabalho de ir me procurar, sabiam que eu viria.
-Veio encarar de vez o passado? - olhar cansado do meu pai disse mais do que a própria voz.
-Vim exterminar qualquer ligação minha com o tempo em si.
-Como assim meu filho, você sabe que não teve culpa de nada, - minha mãe - se for pelas outras coisas...
-Por tudo, sempre fui deixado de lado, cresci assistindo as outras crianças se divertindo, passei minha adolescência carregando uma culpa que nem tão minha era. Senti por toda a vida a incoerência das pessoas, tão solidárias a mim, mas a verdade é que não estavam nem nunca estão nem um pouco ai pra nada. Dos senhores eu não recebi apoio pra nada, aceitar tudo sem retrucar foi a grande educação que me deram, dos meus amigos só recebi um falso consolo, mas na realidade, fui e sempre estive só. Só por dizer o que pensava, só por ser o que sou, só por não me adaptar ao resto...
-E o que você...
-Não terminei mãe... pensar da forma que eu penso me fez um estranho, um nada, tive que me recolher, odiar tudo, e todos, viver numa tristeza contida e calada, eu tenho culpa, mas vocês também tem, meus amigos também tem, todo mundo que nunca deu a mínima tem culpa. Eu pedi perdão, não foi aceito, melhorar é inútil. Somos egoístas até o fim, e eu não fugirei a regra.
Atrás de mim, uma porta...

***

Pouco mais de uma semana depois uma carta foi encontrada no meu farol.

"À vocês que um dia passaram pela minha vida,

Um bom dia, um boa tarde, um boa noite, já fazem diferença, somos tão egoístas, às vezes perguntamos como alguém está, mas na realidade estamos fazendo isso com um único objetivo, que tenhamos a pergunta devolvida, e possamos assim nos discorrer sobre nossos problemas, não somos capazes de nos importar verdadeiramente com outra pessoa, nos preocupamos mais em fazer algo pensando que algum dia nós eventualmente vamos precisar da preocupação alheia.
Eu tive uma infância diferente, eu pouco saí, eu pouco tive companhia, eu desenvolvi meu mundo, nele eu era herói, fora dele motivo de risadas para as outras crianças, minha adolescência era a continuação da reclusão, modificada apenas pelo ambiente cada vez mais "acalentador" em que eu me encontrava, se você é diferente, o resto te esmaga, se você se fecha, te excluem, e nunca querem saber o que você sente, não se importam com você. Encontrei alguém perturbado, orfão, viu seu futuro arrancado ao perder o pai, se isolou, foi isolado, se tornou produto de um meio, alguns são capazes de lutar, outros se entregam e se tornam aquilo que o resto te provoca a ser.
Uns matam, uns são mortos, outros tantos são só tantos... uns choram, outros consolam, a verdade? Ninguém se importa.
Eu cansei, guardei em mim uma tristeza muito grande, minha vida foi perdida tal qual a das meninas, pois eu percebi que minha presença ou ausência só afetava a mim, criei escudos pra ser invulnerável, mas com isso veio o isolamento, a ausência de fé e confiança.
Eu só queria fazer alguma diferença, causar alguma lembrança boa, mas percebo que não consegui isso, pra o homem na pousada eu fui mais um cliente... conheci uma velha, pra ela eu fui mais um estranho que passou por sua casa... pra um garoto, um estranho, e no final de tudo... pra mim... um nada.
Uma atitude sincera faz toda a diferença, as que recebi nunca foram. 

Quero ter a ilusão de felicidade pelo menos uma vez."

A luz do farol nunca mais foi acesa.

domingo, 29 de agosto de 2010

Sorriso

Sem o teu, não sou
Sem o teu, não sei quem sou
Sem o teu, o meu saber acabou

Sem o teu, meu dia escurece
Sem o teu, os brilhos desaparecem
Sem o teu, o novo envelhece

Sem o teu, penso que o dia não passou
Sem o teu, penso que nada aconteceu
Sem o teu, esqueço do meu


*logo virá a parte VII do Conto "Só, sou solidão"

domingo, 8 de agosto de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - VI

Alguns passos, me encontro em seu quarto, já esperava encontrar fotos das meninas, por que estão ai? Essa foi uma das sucessões de quartos que marcaram a vida dele, inveja pela felicidade das crianças e dos seus pais que sempre contrastou com sua solidão e tristeza. Quis punir as crianças por algo que elas nunca tiveram culpa, eu soube desde sempre que ele poderia fazer mal a elas, mas quem imagina presenciar assassinatos, e pior, ajudar achando que seria só uma brincadeira, chamar as meninas, ter saído e deixado os três sozinhos foi um erro imenso.
Lembro como se fosse hoje, as pessoas já não gostavam de mim, nunca deixei de dizer o que pensava delas, chamei metade das pessoas aqui desse lugar de ignorantes, acomodadas, mentes pequenas, e mais alguns impropérios, e quando aconteceu aquilo, todos riam de mim entre os dentes, mostrando a satisfação em me ver mais decadente do que sempre tinha sido, mas ainda pior, eram os olhares dos pais das meninas, a culpa que recaia em mim diante daquelas "janelas da alma" como já ouvi dizerem, eu não via almas, eu via o inferno, se existe inferno acho que a perda das filhas deles era o inferno para eles.
Meus amigos me apoiaram, diziam que eu não tinha culpa, mas é visível o quanto as pessoas mudam em relação a você, detalhes, e eu percebo detalhes, passei a duvidar de todos, quando você percebe que sua presença não é tão bem-vinda quanto antes, tudo isso foi uma sucessão muito grande de quartos pra mim, cada palavra de decepção, cada palavra de alento, puro teatro, ninguém se envolve tanto com os problemas dos outros, passei a ignorar tudo, nunca precisei de ninguém, as pessoas só servem pra você mostrar que é melhor do que elas.
As pessoas se mostram egoístas o tempo todo, se corrompem, e acham que todos são corrompidos, eu não era, mas me deixei ser, passei a sentir raiva e desgosto, pois ninguém se preocupa com absolutamente nada, enquanto não afetar diretamente, se afeta só a você, mesmo família e aqueles que você acha que são seus amigos não vão estar te dando ombro ou ouvindo você sussurrar para o seu travesseiro a noite, sofrendo calado, acham que estão te dando suporte, mas não fazem a mínima ideia do que você pensa e sente, a sua situação é a mesma em que eu estou, só.
Mas como eu quero tentar melhorar, preciso parar de subir e descer essa escada em espiral...
Volto pra rua, não vim buscar redenção, só melhorar um pouco... os pais tinham ficado pra trás, fui na direção deles, eu não tinha muito o que dizer, os olhei fixamente, procurei palavras, saiu apenas:
-Perdão.
Apenas me olharam, não disseram nada, mas era transparente o nojo, a raiva, a pena, que sentiam, eu tentei, as estrelas continuarão a conter o brilho dos olhos das meninas e isso não vai deixar de ser um tormento pra mim, mais do que nunca tenho certeza do que devo fazer, mas fazer na ordem que pensei na pousada. Seguir para outra casa agora, flores e mar de rosas nunca fizeram parte da minha vida, não seria agora que fariam.
Mente cansada, medo ignorado.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - V

Chego na vila e logo de cara encontro os pais de Alice e Ágata, minhas estrelas... o olhar recriminador deles me destrói.
-Depois do que fizestes volta aqui!?
Como vou responder algo assim, tão incisivo? Eu não tive culpa, eu apenas acompanhei tudo, eu me calei, me omiti, estava acuado. Duas meninas lindas, Ágata eu nunca tive muito contato, mas a pequena Alice era um doce de criança, sonhadora, fazia jus ao seu nome, gêmeas, olhos negros, pareciam feito de vidro, ou algum desses materiais brilhantes, mas eu os vi opacos e sem brilho pela única vez que aconteceu, e daí se tornaram estrelas... eu tinha pouco mais de 3 anos a mais do que as duas, novo.
Os pais das duas meninas disseram mais frases que minha audição fez questão de ignorar, eu me tornei o que sou pelo que fiz naquele dia, ou melhor pelo que não fiz, por não ter feito nada. Eu era adolescente ainda, não sabia bem quais companhias eu tinha, e descobri da pior maneira possível que o ser humano é capaz de muito. As pessoas enlouquecem quando perdem algo, e mais ainda quando perdem a cabeça como resultado, as consequências dos atos das pessoas atingem mais pessoas do que se possa imaginar.
Conheci um garoto, totalmente destruído, em uma de nossas conversas ele me disse que havia perdido o pai, e a mãe, a mãe havia morrido logo ao nascimento, mas seu pai foi assassinado, um policial confundiu seu pai com um ladrão qualquer e o tratou como um saco de lixo, ou como ele dizia "acho que o policial tinha mais cuidado quando colocava o lixo pra fora do que teve com o meu pai", o garoto era totalmente transtornado, eu não achava que as ações das pessoas pudessem interferir tanto na vida de alguém assim, mudar a vida, e como isso poderia influenciar alguém.
Certa feita eu vi alguém dizer, a memória me falha pra precisar quem, mas dizia que as nossas vidas são uma sucessão de quartos, e a pessoa que está no quarto com a gente, influencia nossas vidas, imagine o que um tapa, um carinho, um beijo, um abraço, um soco, uma facada, ou no caso dele, o assassinato ao seu pai poderia fazer com a sua?
Fui em direção a casa desse garoto, eu sabia que ele não estaria mais lá, mas eu precisava ver algo, tirar uma dúvida, de algo que eu tinha quase certeza, a vida dele foi modificada, a minha também, eu não tive culpa, ou melhor, eu tive, e isso me trouxe a essa solidão imensa, me fez odiar todas as pessoas, e de tudo que são capazes, olhares recriminadores, decepcionados, é só isso que eu enxergo por toda vida.
Mãos na maçaneta, agir é preciso.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - IV

A conversa com aquela senhora ainda se estende em minha cabeça, repercute duma forma que eu não imaginava que alguém como ela poderia causar, não vou me tornar nem religioso nem muito menos me tornar a pessoa mais educada, mas a velha destinou meus pensamentos pra uma direção que não costumam ir, porque razão alguém poderia crer tanto em algo que nunca viu? Porque razão eu deixei de acreditar e ter respeito pelas pessoas? Será que eu sei a resposta...
Por alguma razão uma memória me vem à mente... numa casa, vejo meus pais, vejo algumas pessoas que conheço, estou no centro e os olhares me reprovam.
A estrada se segue... tão absorto em meus pensamentos que nem percebi uma criança do meu lado, segura com força e com tamanha concentração um catavento, de onde surgira eu não saberia responder, estava de cara amarrada.
-Pra onde vai menino?
-Indo pra vila.
-Você é de lá?
-Sou.
-Não gosta de conversar não?
-Gosto, mas prefiro ouvir.
Ele seguiu comigo até se cansar e se sentar debaixo de uma árvore na margem da estrada, catavento fincado no chão, e os olhos fixos pra ele, se me perguntassem diria que é autista, invejaria se ele fosse, meu autismo foi de escolha, e todos me recriminaram por isso. Os amigos que eu tinha, eu perdi, perdi porque deixei de acreditar, mas não neles, eles foram afetados, as pessoas são assim, e eu não posso me dizer totalmente diferente delas, generalizamos, querendo ou não, assumindo ou não, instintivamente ou não. Não tenho culpa, não acho que eu tenha... me trancar num farol é sinal do quê?
"Gosto, mas prefiro ouvir."
Eu sempre ouço, falar nunca funcionou, e quando resolvi falar, as pessoas se sentiram agredidas, é mais fácil sorrir em conjunto do que chorar sozinho ainda que não veja graça alguma em nada, e por isso eu ouvia e nada dizia, as pessoas não admitem que seus erros sejam expostos, e quando expostos em vitrine elas se escondem, esquivam, ou procuram um alvo.
O menino me lembra alguém, fisicamente com certeza alguém que eu tenha conhecido, mas muito mais do que isso, introspectivo, calado, um mundo só pra ele, me pergunto se ele gosta de ter que sair de sua casa.
O caminho se segue e a vila se aproxima, tenho que pensar no que dizer, e no que podem me dizer, as pessoas de quem eu me afastei a meros metros de distância, física, distância física.
Pernas travando, a minha "estrada" começa agora.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - III

O dia amanhece, o Sol se mantém ainda sob o horizonte que meus olhos alcançam, devo ter despertado logo ao primeiro sinal de luz dentro do quarto, dormi pouco, mas o suficiente pra sonhar, estranho até, normalmente quando durmo apago completamente e não me recordo se sonhei ou não no outro dia, mas hoje é diferente, hoje eu me recordo do que sonhei, quem sabe um presságio do que há por vir, vi perfeitamente a pequena vila que deixei pra trás, vi pessoas que não via há anos, e por alguma razão vi pessoas que tinha se aproximado nos últimos sumindo, tornando-se opacas. É devo seguir o caminho de volta, Ágata e Alice sumiram completamente, esse pensamento me traz uma insegurança enorme, mas não é hora pra isso.
-Aqui está a chave, obrigado.
-Disponha, volte sempre.
Voltar sempre? Não sei o que pode vir a acontecer ao longo dos dias, pensamento de futuro distante fogem da minha mente, provavelmente se esquecerá de mim em poucos minutos, e isso deve ocorrer frequentemente, as vidas das outras pessoas não têm importância, limitamos nossas preocupações reais a um círculo direto de aproximadamente 40 pessoas, sendo bem maleável, e eu ainda posso reduzir esse número, e creio que ninguém me inclua nesse círculo.
Seguir a estrada me traz de volta ao sonho, aos sorrisos disfarçados, e às lágrimas incontidas, quão paradoxal poderia um sonho ser, felicidade e tristeza em sintonia, mas isso não é tão surreal assim, pessoas são assim, sofrimento de um pode ser a diversão de outrem, e é pra esse tipo de cenário que eu me encaminho, desse tipo de visão que eu tenho me afastado, e agora vou nessa direção, pular de ponta cabeça sem nem ao menos calcular a profundidade.
Meus olhos veem no horizonte uma casa velha, um quintal típico de roça, galinhas, e uma horta, diante da casa uma velha, provavelmente mais velha que a própria casa, olhar cansado, vassoura numa mão, um terço em outra, em outros tempos eu evitaria conversar com ela, não tenho nada contra sua idade, meu problema se encontra em sua mão, eu não sou religioso, e acho que quem é acaba por se conformar demais com muita coisa, é só uma visão débil de alguém sem rumo.
-Dia.
-Dia.
-Tem ninguém pra ajudar a senhora não?
-Tenho sim, tá aqui na minha mão.
-E varre pra senhora?
-Me mantém de pé, é mais importante do que se fizesse por mim.
Não esperaria ser convidado pra um desjejum em sua casa, minha educação nunca fora das melhores, e o pouco contato com as pessoas me fez perder as noções de civilidade, ou melhor fiz questão de ignorar todas.
-Ei, toma aqui, coma.
-Por quê?
-Porque quem se encontra da maneira que você se encontra, é de se esperar que te falte respeito.
Não esperaria levar bronca de qualquer que fosse a pessoa, mas prefiro me calar com a comida entre os dentes, do que me calar com qualquer outra coisa que seja. Procurarei mudar de atitude, mas não agora, é difícil fazer tudo de uma vez, ainda nem me acostumei com a ideia de ter saído do farol, mudar a forma de tratar as pessoas leva tempo, e eu preciso manter os escudos erguidos, quando os deixo cair eu costumo me machucar, as pessoas se aproveitam de fragilidades, e se você as demonstra, tenha certeza, serão aproveitadas, manter os escudos é necessário.
Estrada se segue, cenário do sonho se aproxima.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - II

Ando em direção ao horizonte que eu evitei todos esses anos, o medo torna esse caminhar mais difícil do que possa parecer, olho pra trás e vejo "meu" farol se afastando, olho pro céu, já não distingo quem é Ágata ou Alice, sinto-me mais só do que poderia, nem elas eu tenho mais pra me acompanhar, estão lá, só não sei em que direção exata. Sei que deveria esperar o dia amanhecer, mas seguir o impulso que eu nunca tinha tido antes de sair e tentar fazer alguma diferença pro meu futuro é necessário, e além do mais as únicas companhias que eu tenho estão sobre um céu que eu só posso enxergar da forma que se apresenta no momento, à noite.
Olho em volta, o caminho de pedras que eu piso chega a ser irônico com a quantidade de pedras no percurso de vida que venho encontrando. Pra onde eu me encaminho? Não tenho plano algum, nenhuma ideia do próximo passo, se acabo com os fantasmas do passado ou se reivindico pra mim o direito de um futuro melhor... na verdade, eu sei o que devo fazer, mas tudo a seu tempo. O caminho se estende, vai se estender ainda mais, fiz questão de me isolar num lugar distante das pessoas.
Todo mundo tem sofrimentos, todo mundo tem angústias, alguns tem isso de forma passageira, outros carregam isso pra vida, o que diferencia nem é a intensidade, e sim a forma de encarar. Eu sempre encarei da pior maneira possível, mas pretendo mudar isso. A estrada revela a paisagem que deixei pra trás, sinuosa, casas muradas, luzes apagadas, é tarde, tarde até pra mim. Provavelmente terei que parar em alguma pousada pra dormir, preciso, e preciso descansar e refletir. Ainda visualizo os acontecidos que me trouxeram até aqui, difícil descrevê-los ou resumir tudo, e juntar as ideias, mas tenho que fazer isso com calma, tudo a seu tempo.
É estranho me imaginar fazendo o que estou fazendo, indo de encontro a tudo que sempre dei as costas e fingi que não existiam mais, as pessoas falam de amores, de perdas, de dores, não... eu também falo, não sou diferente de ninguém, mas não sou igual a ninguém, queria ter tido capacidade de encarar tudo de uma outra forma, não deveria me deixar afetar pelas outras pessoas como eu me deixei toda a minha vida, eu escolhi a reclusão pra não ser afetado por elas, mas do que adiantou? De nada adiantou, porque as memórias ficam, os rostos podem desbotar nos pensamentos, mas os nomes sempre darão uma cor extra, um brilho extra, e o desbotado é removido, e recupera-se a cor e a nitidez como se fosse vívido agora, ontem no máximo. Me pergunto se com todo mundo isso acontece, ou se só comigo, se só eu me deixo enfraquecer ao invés de ter fortalecido pelas coisas que me aconteceram. No meu farol eu andava em círculos, subindo e descendo as escadas, em espiral, e essa tem sido a metáfora de minha vida, andar em círculos, indo e voltando pro mesmo ponto, preciso sair desse círculo, desse vício.
A estrada revela um pouco mais adiante uma casa, é, é a mesma pousada que eu imaginei.
- Um quarto por favor?
- O pernoite são 25 reais.
- Aqui.
- Chaves aqui, primeira ali a direita.
Fecha-se a porta, em seguida os olhos.

domingo, 27 de junho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão

Noite, e eu aqui deitado, olhando pela janela acompanhando com meus olhos o feixe de luz lançado ao horizonte pelo farol, minha casa, meu lar, pode ser estranho pra maioria das pessoas, morar num farol, sozinho, mas eu gosto, sinto prazer em mantê-lo aceso e vivo, servindo de guia pra os navegadores, eles lá, precisam de pessoas como eu aqui, disposto a cuidar voluntariosamente desse farol, protegendo de algum acidente na encosta.
Me desculpem, falando do farol sem nem descrevê-lo... pois bem, ergue-se imponente numa encosta, pedregosa no nível do mar, sua estrutura se encontra sobre uma elevação de terra que adentra o mar, é a mais perfeita casa que eu poderia ter, do lado de fora, acompanhando a escada aqui dentro, sua pintura se ascende em espiral, pintado de branco, com uma faixa vermelho-alaranjada subindo, sobe até a fonte de luz, lá em cima, sua luz se mantém fixa, em rotação.
Enquanto isso, eu me fixo olhando pra luz, as pessoas me acham estranho por estar sempre aqui, saindo apenas quando necessário, elas não me conhecem, não sabem as coisas que se passam em minha cabeça. Prefiro isso, me sinto útil aqui dentro, o mar aqui é meu companheiro, às vezes traz uma tempestade aqui e ali, mas a maior parte do tempo ele se encontra calmo, e reflete de forma magnífica o "meu" farol em sua superfície.
Essa noite, não é diferente das outras que eu passo aqui observando a luz desaparecer no horizonte, mas tenho me sentido só esses dias, não costumo me sentir assim, tenho o "meu" farol pra me distrair, conversar, não que ele me responda, daí seria loucura. Envolvo-me tanto com meus pensamentos e lembranças que o mundo que eu crio pra mim é melhor do que aquele que compartilho com as pessoas, e eu não gosto de compartilhar, não é egoísmo, é apreço, tenho medo que as pessoas distorçam, destruam aquilo que criei com trabalho.
E lá no horizonte segue uma luz no meio da escuridão, o céu estrelado, já parei pra contar as estrelas, presentes no enquadramento de minha janela, o resultado não me contenta, perco a conta, logo eu desisto, no entanto eu nomeei duas delas, uma chama Ágata, a outra Alice, não me perguntem o porque de Ágata, eu também não sei, porém Alice, é minha pequena sonhadora, por não ter muita companhia aqui, faço de tudo pra não esquecer de minhas memórias, então eu converso com as duas.
Continuo olhando pro horizonte, procurando respostas pra minhas dúvidas, conviver com as pessoas nunca me trouxe respostas, só mais dúvidas, pena que Ágata e Alice não me respondam, daí essa reclusão escolhida, me sinto feliz, pelo menos eu tento crer nisso, ainda que escorra no rosto do espelho diante de mim uma ou duas lágrimas, irreconhecível, desconheço essa infelicidade que se reflete pelos meus olhos através do espelho, essa imagem envelhecida, entristecida, solitária, eu já a vi refletida no mar antes, andando na praia, não entendo o porque dela se manter ai, quem sabe se eu acreditar que estou feliz eu não me torne feliz de verdade, minha vida toda eu ouvi as pessoas dizendo, se você quer você consegue, devo não querer tanto quanto deveria, acho que por isso se explica minha condição, só, num farol que não está em mais nenhuma rota de navegação existente, apenas uma imagem bonita no horizonte, vivo mantendo um passado distante acordado, e me iludindo com um futuro que nunca acontecerá, cansei.
Espelho despenca no chão, e farol trancado.

sábado, 26 de junho de 2010

[CONTOS] Imaginação e pronto.

Era mais um dia, mais um dia qualquer, ela se levantava, cabelos embaraçados, esvoaçantes, desajeitados, descia um vão de escadas, pra ela aquilo eram andares e mais andares de onde ela se recolhia à seu mundo encantado, de fazer fantasia, de "era uma vez".
Subir e descer tais escadas pra ela não era de modo algum problema, era a sensação e a realização de que subia centenas de degraus até atingir a sua torre, o seu aposento mágico.
Descida às escadas ela nos olha com aquele olhar de sorriso, olhos negros, duas bolas contrastando com o restante branco. É, realmente é uma princesa de histórias de contos de fada. Tão nobre vossa alteza é, impõe-se apenas com um olhar, e determina toda sua autoridade dizendo:
- Quero café com leite (e um "faz pra mim, por favor" apenas com os olhos).
- Faço, dá um beijo aqui.
Ela volta à sua torre, liga sua TV, e espera o seu pedido ser atendido, pra ela tudo pode ser só imaginação, mas mal sabe ela que realmente aquele quarto é de uma princesa, nasceu no dia primeiro de abril, mas é a mais pura verdade, se não fosse eu diria.
A princesa não é filha de reis, não vive num reino, nem tem súditos, mas pra ser princesa não é preciso ter isso, o que ela tem é maior do que tudo isso, pra ser princesa eu digo a receita, imaginação e pronto, e isso essa princesa tem.
- Aqui o café com leite. Tá bom? - acena com a cabeça positivamente.
E volta a seu mundo, só seu, mas onde fazemos parte, fora das características, ainda assim completando a realidade desconexa que é comum alguém de sangue real criar.
Vai dizer que amanhecer assim num é digno de uma princesa?




PS: tentar experimentar contos, vão evoluir eu espero.

PS2: O texto pode ter duas perspectivas.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ponto final?

Eu? Eu... Eu sou início, meio e fim.
Aspas, interrogação, vírgula, ponto e vírgula, EXCLAMAÇÃO!
Ponto final? Ainda não...
Eu? Eu... Eu sou princípio, decorrer e desfecho.
- Travessão.
- Circunflexo, perplexo, mas sem deixar de ser agudo, às vezes craseado.
Ponto final? Ainda não...
Eu? Eu... Eu sou mais reticências, sem noção, pouco sifrão, mas com dedicação.
Eu? Eu sou fases, que se desfazem, mas ponto final? Não, ainda não.



domingo, 6 de junho de 2010

Corujas


A coruja era a mascote de Atenas, a deusa da sabedoria, ave de hábitos noturnos, seus olhos localizam suas presas pela fraca luz do luar, não suportam a luz do Sol, para os gregos esse olhar e hábito de caça durante à noite as tornou no símbolo do conhecimento racional, fazendo oposição ao intuitivo, pois o racional provém da reflexão, elas se orientam pelo reflexo da luz solar na Lua, ao invéz de usarem a percepção direta feita pela luz solar, a percepção simples e imediata, daí tamanho simbolismo. As corujas são consideradas por alguns como sinal de mau agouro, representando a morte que se aproxima, coincidência ou não... provavelmente tamanha sabedoria às tenha dado essa capacidade... quem sabe ver aquilo que ninguém vê.
Perceber o que acontece em volta, observar, prestar atenção, reconhecer sinais, nem todos tem capacidade ou paciência para fazer isso, as pessoas revelam muito mais do que imaginam, em gestos, em atitudes, em feições.

Sê menos egoísta.
Sê menos fútil.
Sê mais observador
Sê mais racional
Sê como as corujas

pois...

"L´essentiel est invisible pour les yeux" [Antoine de Saint-Exupéry]
[o essencial é invisível aos olhos].

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cataventos


Quer método hipnótico melhor pra mim há uns 10 anos atrás? Sem falar do fogo [que era minha paixão de infância, fui quase um incendiário, ou criador de shows pirotécnicos], falo dos cataventos, grandes, pequenos, opacos, brilhantes, multicoloridos, conquistavam minha atenção, me impressionavam com o balé das asas, abas, ou pás, que seja, de sua estrutura.
O movimento do vento empurrando e o fazendo girar, girar, girar, e quanto a mim? Me perdia, viajava, era envolvido pelo movimento circular, simples mas tão vivo que me deixava absorto, aéreo, não... me deixa, ainda me envolvo com os cataventos como há 10 anos atrás, será que não cresci? Ou será que parte de minha infância ainda se encontra viva em mim? Não sei...
O que sei é que o vento fazia o catavento girar, e nessa mesma sintonia minha cabeça girava no mesmo ritmo, às vezes sem razão, às vezes refletindo, num ciclo, sem achar começo ou fim, no fim só me restava, ou resta, confusão sem saber se o giro em círculos acaba um dia.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Acomodação...

"[...]A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá..."*

Em tempos mais difíceis, em tempos em que falar era um privilégio, as pessoas eram mais ativas, mesmo num curso de rio diferente ia-se contra a corrente. Os tempos são outros, somos filhos/netos de tempos complicados, sabemos tanto, fazemos tão pouco, tampouco nos importamos do pouco que se faz, e seguindo assim a roda viva nos esmaga, não porque é inevitável, nem digo que não seja, mas muito porque pouco se tenta.
É duro ver as pessoas abaixando olhos, olhando pro chão, juntando as mãos e dizendo "amém", diante de situações em que a roda viva impera... esperar o primeiro a levantar os olhos e cerrar as mãos é fácil, bravo seria não esperar por ninguém, pois "[...] quem sabe faz a hora, não espera acontecer..."**, não foge e nem sai derrotado sem nem ao menos ter jogado, ter lutado.

"[...]Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião..."*



* Chico Buarque
** Geraldo Vandré

segunda-feira, 29 de março de 2010

Máquina do Tempo

Ah... ah se eu pudesse voltar no tempo... voltar àqueles dias em que tudo era alegria, em que as aquarelas do meu dia pintavam quadros impressionistas, sem nexo, e eu caminhava como anexo, anexo a tudo isso. Dias que não me preocupava em reagir, quem sabe apagar e corrigir... dias que pintar o sete não era mais do que bagunçar uma partida de xadrez, ou destemperar um molho inglês...
Hoje eu acordei vivendo no passado, em dias que eu era muito menos, mas ainda creio que eu era mais... muito mais... me desencontrei de mim... me perdi num ônibus, me perdi numa estrada... ah... eu queria voltar, voltar pro dia Xis, do mês Xis, do ano Xis... era tudo mais simples.
Pode até ser que eu tivesse menos companhia, mas acho que eu me tinha mais. Ah... ah se eu pudesse voltar no tempo... não que eu fosse feliz e não soubesse... mas quem sabe os caminhos tomados fossem mais experimentados, não acho que mudaria as decisões... só acho que perderia as minhas indecisões. Sinto falta, falta de mim, ou melhor de um pedaço que tiraram e esqueceram de devolver, ou quem sabe perdi por falta de atenção por tanto chão que percorri.


"Se eu soubesse antes o que sei agora erraria tudo exatamente igual..."
Humberto Gessinger

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sodoma e Gomorra


Pra quem não conhece a Bíblia [meu caso, partes que me vieram ao interesse, como essa] Sodoma e Gomorra são duas cidades destruídas por Deus, sendo a justificativa os atos cruéis, imorais, hedonistas presumo, de seus habitantes.
Verdadeira fúria divina? Verdadeira omissão humana? Não conheci Sodoma, muito menos Gomorra, mas não creio que sejam muito diferentes das nossas cidades, a diferença, é que ou tudo ficou muito normal, ou muito banal.
...
Amsterdã, Nova Orleans, Genebra, Rio de Janeiro.
...
Pessoas diferentes, atos semelhantes? Pessoas iguais, atos diferentes? Não... só pessoas, boas ou más, puras ou devassas, simples ou complexas, novamente não, só pessoas. O caráter não se define por quem ela é, nem pelo que ela faz - o que define então? - nada define, a vida e os erros moldam, mas continuam a ser pessoas. Corrompidas? Não... só pessoas, que pregam sua falsa moral, ou sua imoralidade, ninguém se corrompe, se é e se revela, vive-se em Sodoma e Gomorra, mas agora quem escreve o livro pra no futuro lerem? Pois tudo é tão normal, a parte do humano no ser é quem garante tudo que fazemos, justificar pra quê? São só pessoas, e enquanto presas a essa condição forem, nada se justifica, nada se entende, assistimos, com direito a vaiar ou aplaudir, plateia e palco ao mesmo tempo.
No fim, Sodoma e Gomorra.




PS: Não me atrevo a falar de religião, sou pouco religioso, só uma pequena lembrança.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Er...?

"Puxa! Puxa! Como tudo está tão estranho hoje! E ontem as coisas estavam tão normais! O que será que mudou à noite? Deixe-me ver: eu era a mesma quando acordei de manhã? Tenho a impressão de ter me sentido um pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma, a próxima questão é 'Quem sou eu?" Ah! está é a grande confusão!" (Lewis Caroll - Alice in Wonderland)

Isso foi o que disse Alice [sim, essa Alice mesmo] quando percebeu que depois de ter entrado na toca do coelho, tudo ficou meio diferente do que ela estava acostumada... Mas acima de toda a estranheza do que acontecia, havia o estranhamento de quem ela era.
E quem é você? Quem sou eu? Quem somos nós?
Eu não sei quem você, ou eu, ou nós somos, mas sei que a terceira pessoa do plural deve ser levada em consideração tanto quanto a primeira do singular. Todos os dias são diferentes, acontecem fatos que não esperamos, o torna mais surpreendente, mais inusitado, mais sofrido quem sabe... Mas a nossa estranheza de cada dias nos dai hoje, não pode afetar as 'não-estranhezas' do resto que compõe a terceira pessoa do plural.
No mais digo que... digo que...

Bom, um texto que se baseia em Alice, só pode ser non-sense, então pode parar de procurar 'sense' no texto, pois nem de "quem somos?" ele fala, muito menos de quão estranho os nossos dias são, eu estou estranho, logo, o texto me é estranho, e está tudo tão estranho hoje, que nem me preocupo se eu sou o mesmo de ontem, e serei o mesmo amanhã, sendo o mesmo de agora, já me basta.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Por que você persiste?

"[...]
Agente Smith: Por que, Sr. Anderson, por que, por quê? Por que você faz isso? Por quê? Por que se levantar? Por que continuar lutando? Você acredita estar lutando por algo, por mais do que sua sobrevivência? Seria liberdade? Ou verdade? Talvez paz? Poderia ser por amor? Ilusões, Sr. Anderson, caprichos da percepção, construções temporárias de um intelecto humano débil tentando desesperadamente justificar uma existência que é sem significado ou propósito. E tudo isso tão artificial quanto a matrix mesma, embora, somente uma mente humana poderia criar algo tão insípido quanto amor. Você deve ser capaz de ver isso, Sr. Anderson, você deve saber isso agora, você não pode vencer. Não tem sentido continuar lutando. Por que, Sr. Anderson, por que, por que você persiste?*"


Poderia falar de escolhas, poderia falar de sentimentos, poderia falar do sentimento que mais se tenta explicar, mas eu escolho falar de ...
Seria a mente humana débil e que só possui o objetivo de explicar o porque de existir, quando não se tem "porque" algum para se existir? É realmente assim tão sem sentido procurar razões para se viver, para se amar, odiar, ignorar? O ser humano desde sua origem luta por algo, por comida, por propriedades, por suas crenças, por suas ideias, mas seriam todas essas lutas apenas desvios ou denominações diferentes para dizer que realmente a luta se limita à sobrevivência?
A humanidade não tem pensamentos simplistas, pois o simples não atrai, não reluz, posso estar enganado, mas a humanidade luta contra si e contra tudo, pode ser que sejam caminhos que levem para o mesmo fim, viver ou não [sobreviver]. Mas creio que somos mais do que isso, que nossas raivas, revoltas, lutas, tenham um propósito maior. Observando-nos coletivamente pode ser que a ideia de sobreviver acima de tudo seja o objetivo central, porém, se cada um for observado individualmente... bem, a história está sempre nos contando de pessoas que se sacrificaram pelo bem maior, e nem todas porque seguiam certa ideologia, mas porque acreditavam nisso, tinham esperança de que seus atos melhorassem o mundo, e isso me basta pra crer que há sentido no que fazemos.



"*[...]Neo: Porque eu escolho persistir."

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Tempo

"(...)Bom dia.

E apagou o lampião.
Em seguida enxugou a fronte num lenço de quadrinhos vermelhos.

- Eu executo uma tarefa terrível. Antigamente era razoável. Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir…
- E depois disso, mudou o regulamento?
- O regulamento não mudou, disse o acendedor. Aí é que está o drama! O planeta de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento não muda! (...)"
(Antoine de Saint-Exupéry)

Excerto de "O Pequeno Príncipe", fala sobre a passagem do tempo no pequeno planeta do "acendedor de lampião". Em destaque uma frase que me chama sempre atenção todas às vezes que releio o livro. O planeta gira mais depressa a cada ano... de certa forma lembra o nosso, não que o nosso gire mais depressa, pode ser que isso tenha alterado em alguns milésimos de segundo ao longo dos milhões de anos passados, mas os dias têm ficado mais rápidos quando se observa o quanto do nosso tempo é tomado.
O tempo é tanto vítima quanto algoz, pra cada um ele tem um predicado diferenciado, "tenho todo o tempo do mundo", creio que não, a vida passa diante de nossos olhos de tal forma, que quando nos damos conta já vivemos muito dela, e pra muitas pessoas essa questão de ter vivido é meramente biológica, porque viver realmente, é aproveitar e gozar da vida. Às vezes é realmente complicado aproveitar cada dia como o último, como dizem as pessoas, mas se aproveitarmos bem uma quantidade boa deles, já terá sido suficiente. Não sei qual crença, qual deus, qual rito você professa, se você crê em mais de uma vida, ou se crê em uma única, porque arriscar a ter a notícia contrária, ao fim de tudo, sem ter feito aquilo que você tem vontade?
O lampião apaga todos os dias, e se reacende todos os dias, aproveitemos enquanto podemos vê-lo se reacender.