quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

[CONTOS] Abrir e fechar

Bato na porta, sem jeito, com medo. Toco a campainha, tremo. Se abre.
- Oi
- Oi, que faz aqui?
- Er... só vim pegar as coisas que esqueci.
- Tão ali, pode pegar.
- Licença
- Pra que tudo isso? Você não é nenhum estranho aqui, até tem mais intimidade com a casa do que eu.
- É... sei lá, acho que alguma coisa mudou...
Entro, tremo, hiperventilo, arritmia... tudo aquilo já foi meu também um dia, ou melhor, considerava tão meu, o quadro pintado no meio da rua por um hippie, o filtro dos sonhos que fizemos, mais um emaranhado de linhas do que um filtro, a parede do fundo pintada com as nossas mãos, a realidade toda pintada com as nossas mãos... meu coração dói, não pareço fazer falta, ando cada passo e demoro um quilometro por ele, minhas coisas ali, empacotadas, empilhadas, cuidadosamente separadas, tão assim premeditado... tudo tão assim que acho que nem pensa mais em mim...
- Brigado por embalar tudo, guardar assim, organizar tudo.
- Ah, por nada, não queria que você tivesse trabalho de arrumar isso.
- Nem demorar pra isso né...
- Pois é, sei de suas ocupações.
- Então tá, bom vou indo viu, um beijo.
- Beijo, se cuida.
A arritmia parecia irradiar em dor, parada cardíaca... o último beijo... e ainda no rosto... só no rosto... abri a porta.
- Tchau.
- Ei, você esqueceu aquele papel
- Onde?
- Ali.
Deixo as coisas no chão, ando até o papel e não tinha nada escrito. A porta se fecha.
- Sabe? Você podia ficar...
- Me ajuda a reorganizar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

E se?

E se eu usar de pinturas no rosto? Usar de nariz de palhaço? Me colorir de branco, numa metade do rosto um sorriso vermelho tatuado, na outra metade duas lágrimas? E se eu sorrir e chorar ao mesmo tempo? E se eu não souber o que dizer, ou desatar a falar palavras e palavras, perdidas, às vezes sem sentido, noutras carregadas de milhares de interpretações? E se eu não sorrir das piadas? E se minha sorte não vir de um realejo? E se eu não puder deitar na tua escama? E se eu não pudesse ler poesias? E se ao invés de respostas eu só encontrar mais perguntas? E se tudo aquilo que eu ouvi não significar nada? E se tudo aquilo que eu li forem só distrações da visão? E se eu não puder disfarçar o sentimento? E se eu borrar a maquiagem com a tua lágrima, teu suor, tua saliva? Então...
"O que resta é sem sentido, fico perdido sem direção, fico danado e nado o que for preciso em busca de um porto pro meu coração" (Fernando Anitelli - Abaçaiado)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Quando é que você vai perceber?

Quando é que você vai perceber que as palavras são a base das minhas atitudes, quando é que você vai entender que meu vocabulário foi desenvolvido apenas pra te convencer do que eu sinto e do que eu penso, que minha sintaxe é só uma inversão de diacineses, diplótenos, haletos, alquilas... nada com nada, apenas tentativas pra te influenciar, te envolver.
Minhas palavras são assim, se em prosa, ou se em verso, foram escritas numa linha reta, por coincidência, veja lá que coincidência, você estava na mesma linha que elas percorreram... Não me sobram mais páginas nos cadernos, não me sobram mais tinta nas canetas, mas posso recorrer a dicionários, a outras fontes, usar de mímica, de imagens, e corroborar tudo com atitudes.
Quando é que você vai perceber?