quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Não...

Eu não acredito... não consigo acreditar que quando eu aparecer diante de sua casa não vou ver mais a cadeirinha de plástico, a bengala e o senhor observando o movimento... não consigo crer que não vou ouvir "ô Lemãozin" todas as vezes que eu aparecer na casa do senhor, ouvir o senhor contar dos causos da rua, de antigamente,  da política, daquele doce que o senhor quer tanto que minha mãe faça... da sola dos pés pra lixar... do café com leite, do pão... dos dedos indicando que tá chovendo em Monte Alto, lá pelos lados de Mutans ou Ceraima... da preocupação se a gente comeu ou não... ouvir vó falando "ô véi, sossega véi". Não consigo, sinceramente não consigo...

Esteja em paz vô...

domingo, 18 de setembro de 2011

[CONTOS] Ana.

Já era noite quando Ana resolveu tomar o rumo de casa, pouco mais de 12 anos de vida, mas tanta coisa vivida, assim ela acreditava, nas costas uma mochila de couro, água, comida, e um livro, um livro a ser escrito, pouco mais de cinquenta páginas, seria sua autobiografia, mas tantas metafóras que considerar algo ali seria complicado... orfã, sozinha, e muita história... morena, olhos cor de mel, pele mais clara que os cabelos pouca coisa, bonita, muito bonita, de chegar em qualquer ambiente e interromper a mais séria das conversas, pois sim, essa é Ana.
Vivia em busca de sua casa, sempre pensava nisso, mas nunca soube onde era, até que mais cedo naquele dia de setembro, debaixo de uma mangueira bem frondosa, ela teve uma conversa inesperada, sentada debaixo da árvore ouviu uns passos se aproximando, era um velho, tinha pra quem dissesse pouco mais de 70 anos:
- Boa tarde meu bem, como você se chama?
- Boa tarde senhor, meu nome? Bem, não é tão importante assim nesse momento.
- Muito enganada... quando disseres teu nome pra mim, entre nós um laço se criará.
- Pode até ser, mas quem garante que o senhor não esquecerá meu nome, e o que ele representa.
- Um dia quando eu conhecer outra menina com nome igual ao seu, me lembrarei de você e da conversa que tivemos, e todas as ... como é mesmo seu nome, meu bem?
- Ana - não percebendo a astúcia do velho.
- Pois sim, Ana, todas as Anas que eu conhecer de hoje em diante terão um pouco de você na memória, essa desconfiança, esse medo. Sabe... eu estava ali atrás vendo você escrevendo nesse livro, o que tanto você escreve posso saber?
- Se eu disser que não o senhor me deixará em paz e sairá? - ele acena negativamente com a cabeça - É eu imaginei... bom... são minhas memórias.
- Memórias? O que uma criança teria pra lembrar da vida, ou melhor, teria vivido pra poder escrever um livro?
- Desde quando precisamos ser velhos pra ter vivido muito? O senhor pelo que me parece nada viveu.
- Tá vendo criança? Vês o pouco que você viveu? Eu também agia assim quando tinha sua idade, deixei minha casa, meus amigos, achando que o mundo era meu. Você tá certa, eu vivi pouco, pouco pra o que eu poderia ter vivido, mas você, você meu bem... não tem nada muito de diferente de mim não... se eu fosse você voltava pra casa e largava esse livro, antes de escrever qualquer coisa, leia as pessoas, não adianta escrever sobre a vida levando somente a sua em consideração... volte pra casa, e leve na bagagem um pouco de humildade, a soberba que você tem transborda pela respiração, ela você pode ir abandonando.
O velho não permaneceu parado pra ouvir uma réplica de Ana, ele simplesmente rumou pra trás da árvore e foi andando até sumir dentro da grama alta que ali se encontrava. Ana permaneceu ali pensativa durante horas... não conhecia nada de sua história, muito menos conhecia qualquer história, seja de algum parente, seja de amigo, pois sempre fora assim, arrogante, dona de si e do mundo, como nunca se percebera antes, estava sem razão. Pegou novamente e leu o primeiro parágrafo:

"Ana é o nome que ouvi me chamarem desde quando me lembro de entender as coisas, cresci sozinha, sem ninguém, não sei quem são meus pais, não tenho amigos, mas sempre fui muito esperta, muito astuta pra tudo, nunca precisei da ajuda de (...)"

Nesse momento ela parou... o velho tinha razão, ela nada sabia da vida, ninguém vive sozinho, ela nada aprendera, era mestre pra persuadir as pessoas pra conseguir comida, pra conseguir algum dinheiro, mas carinho? Isso ela nunca aprendera... tão nova... muito só... ela jogou fora aquelas páginas escritas, e guardou as intactas, ali nasceriam novas histórias.