domingo, 20 de março de 2011

[CONTOS] Acordado sonhando

Tem dias que você acorda, e não espera nada de muito anormal e diferente no seu dia, mas quando você vê alguém que não sabe do que você espera, abre tuas gavetas.
- O que fazes?
- Nada não, só jogando fora umas coisas.
- Jogando fora? Mas essas coisas são minhas.
- São, concordo, mas não te servem mais.
- Como assim!? Isso quem decide sou eu!?
- Não me importo. - lá se vão as fotos, os escritos, as memórias.
Jogando no lixo uma por uma, as lembranças vão me doendo os olhos e o peito, é taquicárdico, é vertiginoso, é doloroso. Termina de jogar fora tudo, e sai sem nem dizer o nome, nem como entrou aqui, e porque fez tudo isso.
Perdido, desorientado, sem muito o que fazer, começo a vislumbrar a ideia de que agora nem o cérebro será capaz de manter lembrança, que isso tudo um dia vai se perder, no vento, no tempo.
Me levanto da cama, uma tontura me acomete, ainda assim persisto e ando, fecho a porta atrás de mim, ando sem rumo, dor no peito, mas sem irradiar pra nenhum lugar, se concentra bem no meio, como se o que está ali dentro tivesse reduzido de tamanho e não passasse agora apenas de uma bola de gude.
As pessoas que encontro perdem o foco, as cores somem, o dia escurece, cansado disso tudo, me escondo com fones de ouvido, crio um mundo hermeticamente fechado, crio uma bolha.
O que está de fora não mais importa, porque o que está por dentro muito menos, as horas passam e continuo a vagar, sem rumo, sem direito a escolha, pois ela foi tomada sem mim, e agora experimento esse gosto amargo.
A gravidade parece ter aumentado, mas não é meu corpo que se inclina, não são minhas pernas que enfraquecem, é minha mente que padece, ela grita mas eu finjo que não ouço, o som da música é mais alto, me gritam:
- Ei, passa e não fala com ninguém é?
- E adianta? Não quero conversar com minha mente, imagine com outras...
Ao longo dos anos aprendi que não importa quem eu sou, na verdade, damos importância a muita coisa que só nós damos, eu enxergo isso claramente agora, mesmo com os olhos embaçados.
Vejo diante de mim uma ponte, não muito alta, mas parece ser suficiente, me posiciono lateralmente a ela, olho pra baixo, fecho os olhos, pra não mais abrir, pulo.
Acordo, coração disparado.
- Hum...

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