domingo, 27 de junho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão

Noite, e eu aqui deitado, olhando pela janela acompanhando com meus olhos o feixe de luz lançado ao horizonte pelo farol, minha casa, meu lar, pode ser estranho pra maioria das pessoas, morar num farol, sozinho, mas eu gosto, sinto prazer em mantê-lo aceso e vivo, servindo de guia pra os navegadores, eles lá, precisam de pessoas como eu aqui, disposto a cuidar voluntariosamente desse farol, protegendo de algum acidente na encosta.
Me desculpem, falando do farol sem nem descrevê-lo... pois bem, ergue-se imponente numa encosta, pedregosa no nível do mar, sua estrutura se encontra sobre uma elevação de terra que adentra o mar, é a mais perfeita casa que eu poderia ter, do lado de fora, acompanhando a escada aqui dentro, sua pintura se ascende em espiral, pintado de branco, com uma faixa vermelho-alaranjada subindo, sobe até a fonte de luz, lá em cima, sua luz se mantém fixa, em rotação.
Enquanto isso, eu me fixo olhando pra luz, as pessoas me acham estranho por estar sempre aqui, saindo apenas quando necessário, elas não me conhecem, não sabem as coisas que se passam em minha cabeça. Prefiro isso, me sinto útil aqui dentro, o mar aqui é meu companheiro, às vezes traz uma tempestade aqui e ali, mas a maior parte do tempo ele se encontra calmo, e reflete de forma magnífica o "meu" farol em sua superfície.
Essa noite, não é diferente das outras que eu passo aqui observando a luz desaparecer no horizonte, mas tenho me sentido só esses dias, não costumo me sentir assim, tenho o "meu" farol pra me distrair, conversar, não que ele me responda, daí seria loucura. Envolvo-me tanto com meus pensamentos e lembranças que o mundo que eu crio pra mim é melhor do que aquele que compartilho com as pessoas, e eu não gosto de compartilhar, não é egoísmo, é apreço, tenho medo que as pessoas distorçam, destruam aquilo que criei com trabalho.
E lá no horizonte segue uma luz no meio da escuridão, o céu estrelado, já parei pra contar as estrelas, presentes no enquadramento de minha janela, o resultado não me contenta, perco a conta, logo eu desisto, no entanto eu nomeei duas delas, uma chama Ágata, a outra Alice, não me perguntem o porque de Ágata, eu também não sei, porém Alice, é minha pequena sonhadora, por não ter muita companhia aqui, faço de tudo pra não esquecer de minhas memórias, então eu converso com as duas.
Continuo olhando pro horizonte, procurando respostas pra minhas dúvidas, conviver com as pessoas nunca me trouxe respostas, só mais dúvidas, pena que Ágata e Alice não me respondam, daí essa reclusão escolhida, me sinto feliz, pelo menos eu tento crer nisso, ainda que escorra no rosto do espelho diante de mim uma ou duas lágrimas, irreconhecível, desconheço essa infelicidade que se reflete pelos meus olhos através do espelho, essa imagem envelhecida, entristecida, solitária, eu já a vi refletida no mar antes, andando na praia, não entendo o porque dela se manter ai, quem sabe se eu acreditar que estou feliz eu não me torne feliz de verdade, minha vida toda eu ouvi as pessoas dizendo, se você quer você consegue, devo não querer tanto quanto deveria, acho que por isso se explica minha condição, só, num farol que não está em mais nenhuma rota de navegação existente, apenas uma imagem bonita no horizonte, vivo mantendo um passado distante acordado, e me iludindo com um futuro que nunca acontecerá, cansei.
Espelho despenca no chão, e farol trancado.

8 comentários:

  1. Seu farol, além de ajudar os que precisam com sua luz ajuda a você mesmo, te guia e te ilumina.

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  2. Lindo, Lindo e Lindo Màh!
    Amei mesmo! *-*
    Você é um ótimo escritor de contos!

    Com certeza a continuação será muito bem vinda por quem tiver a oportunidade de ler este primeiro.

    ps.: Acho lindo o nome Alice. ^^

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  3. Massa vey, gostei dessa parte: "conviver com as pessoas nunca me trouxe respostas, só mais dúvidas" ~

    ;*

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  4. ...alguns faróis só voltam a ser percebidos quando se apagam.

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  5. Seus textos estão lindos! Esse eu ainda gostei mais que o outro.

    Parabéns.


    Te amo, com ponto final no final.

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