quinta-feira, 1 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - II

Ando em direção ao horizonte que eu evitei todos esses anos, o medo torna esse caminhar mais difícil do que possa parecer, olho pra trás e vejo "meu" farol se afastando, olho pro céu, já não distingo quem é Ágata ou Alice, sinto-me mais só do que poderia, nem elas eu tenho mais pra me acompanhar, estão lá, só não sei em que direção exata. Sei que deveria esperar o dia amanhecer, mas seguir o impulso que eu nunca tinha tido antes de sair e tentar fazer alguma diferença pro meu futuro é necessário, e além do mais as únicas companhias que eu tenho estão sobre um céu que eu só posso enxergar da forma que se apresenta no momento, à noite.
Olho em volta, o caminho de pedras que eu piso chega a ser irônico com a quantidade de pedras no percurso de vida que venho encontrando. Pra onde eu me encaminho? Não tenho plano algum, nenhuma ideia do próximo passo, se acabo com os fantasmas do passado ou se reivindico pra mim o direito de um futuro melhor... na verdade, eu sei o que devo fazer, mas tudo a seu tempo. O caminho se estende, vai se estender ainda mais, fiz questão de me isolar num lugar distante das pessoas.
Todo mundo tem sofrimentos, todo mundo tem angústias, alguns tem isso de forma passageira, outros carregam isso pra vida, o que diferencia nem é a intensidade, e sim a forma de encarar. Eu sempre encarei da pior maneira possível, mas pretendo mudar isso. A estrada revela a paisagem que deixei pra trás, sinuosa, casas muradas, luzes apagadas, é tarde, tarde até pra mim. Provavelmente terei que parar em alguma pousada pra dormir, preciso, e preciso descansar e refletir. Ainda visualizo os acontecidos que me trouxeram até aqui, difícil descrevê-los ou resumir tudo, e juntar as ideias, mas tenho que fazer isso com calma, tudo a seu tempo.
É estranho me imaginar fazendo o que estou fazendo, indo de encontro a tudo que sempre dei as costas e fingi que não existiam mais, as pessoas falam de amores, de perdas, de dores, não... eu também falo, não sou diferente de ninguém, mas não sou igual a ninguém, queria ter tido capacidade de encarar tudo de uma outra forma, não deveria me deixar afetar pelas outras pessoas como eu me deixei toda a minha vida, eu escolhi a reclusão pra não ser afetado por elas, mas do que adiantou? De nada adiantou, porque as memórias ficam, os rostos podem desbotar nos pensamentos, mas os nomes sempre darão uma cor extra, um brilho extra, e o desbotado é removido, e recupera-se a cor e a nitidez como se fosse vívido agora, ontem no máximo. Me pergunto se com todo mundo isso acontece, ou se só comigo, se só eu me deixo enfraquecer ao invés de ter fortalecido pelas coisas que me aconteceram. No meu farol eu andava em círculos, subindo e descendo as escadas, em espiral, e essa tem sido a metáfora de minha vida, andar em círculos, indo e voltando pro mesmo ponto, preciso sair desse círculo, desse vício.
A estrada revela um pouco mais adiante uma casa, é, é a mesma pousada que eu imaginei.
- Um quarto por favor?
- O pernoite são 25 reais.
- Aqui.
- Chaves aqui, primeira ali a direita.
Fecha-se a porta, em seguida os olhos.

9 comentários:

  1. andar em círculos, porque o desconhecido
    impõe medo?

    **tbm me vejo andando em círculos!

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  2. Li os dois, mas prefiro o segundo. O final do segundo, falando de forma, é de uma beleza moderna impressionante. A rapidez da narrativa é a própria cena: a lacuna suscitada pela ausência de explicações; o protocolo maquinal do hóspede. Excelente.

    Quanto à narrativa, o texto lembra o turbilhão de emoções mescladas com as palavras - despejadas e impensadas - de alguns românticos. Acho que é meio confessional escrever tão naturalmente e isso torna seu texto, sobretudo, distinto.

    No geral, gostei. Com destaque especial e sublinhado para o fechamento do segundo. :D

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  3. interessante, não tinha voltado minha atenção pra isso, ausência de explicação e protocolo maquinal do hóspede, todo o pesar do personagem é ignorado, se ele sofre ou não, não importa, faço o que tenho que fazer, e você faça o que você tem que fazer.

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  4. Seus textos revelam o que por algumas vezes imaginei que eram pensamentos loucos de minha cabeça....
    Sinto-me mais calma.

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