sexta-feira, 16 de julho de 2010

[CONTOS] Só, sou solidão - IV

A conversa com aquela senhora ainda se estende em minha cabeça, repercute duma forma que eu não imaginava que alguém como ela poderia causar, não vou me tornar nem religioso nem muito menos me tornar a pessoa mais educada, mas a velha destinou meus pensamentos pra uma direção que não costumam ir, porque razão alguém poderia crer tanto em algo que nunca viu? Porque razão eu deixei de acreditar e ter respeito pelas pessoas? Será que eu sei a resposta...
Por alguma razão uma memória me vem à mente... numa casa, vejo meus pais, vejo algumas pessoas que conheço, estou no centro e os olhares me reprovam.
A estrada se segue... tão absorto em meus pensamentos que nem percebi uma criança do meu lado, segura com força e com tamanha concentração um catavento, de onde surgira eu não saberia responder, estava de cara amarrada.
-Pra onde vai menino?
-Indo pra vila.
-Você é de lá?
-Sou.
-Não gosta de conversar não?
-Gosto, mas prefiro ouvir.
Ele seguiu comigo até se cansar e se sentar debaixo de uma árvore na margem da estrada, catavento fincado no chão, e os olhos fixos pra ele, se me perguntassem diria que é autista, invejaria se ele fosse, meu autismo foi de escolha, e todos me recriminaram por isso. Os amigos que eu tinha, eu perdi, perdi porque deixei de acreditar, mas não neles, eles foram afetados, as pessoas são assim, e eu não posso me dizer totalmente diferente delas, generalizamos, querendo ou não, assumindo ou não, instintivamente ou não. Não tenho culpa, não acho que eu tenha... me trancar num farol é sinal do quê?
"Gosto, mas prefiro ouvir."
Eu sempre ouço, falar nunca funcionou, e quando resolvi falar, as pessoas se sentiram agredidas, é mais fácil sorrir em conjunto do que chorar sozinho ainda que não veja graça alguma em nada, e por isso eu ouvia e nada dizia, as pessoas não admitem que seus erros sejam expostos, e quando expostos em vitrine elas se escondem, esquivam, ou procuram um alvo.
O menino me lembra alguém, fisicamente com certeza alguém que eu tenha conhecido, mas muito mais do que isso, introspectivo, calado, um mundo só pra ele, me pergunto se ele gosta de ter que sair de sua casa.
O caminho se segue e a vila se aproxima, tenho que pensar no que dizer, e no que podem me dizer, as pessoas de quem eu me afastei a meros metros de distância, física, distância física.
Pernas travando, a minha "estrada" começa agora.

3 comentários: